Seguindo as teorias de Ptolomeu, Dante coloca a Terra imóvel no centro do universo e, ao seu redor, em órbitas concêntricas, os céus da Lua, de Mercúrio, de Vênus, do Sol, de Marte, de Júpiter, de Saturno, a oitava esfera, que é a das estrelas fixas, a nona, ou primeiro móvel, e, finalmente, o Empíreo, que é imóvel. Transportado pela força que faz rodar os céus e pela luz sempre crescente de Beatriz, Dante eleva-se de um céu para outro, e em cada um deles lhe aparecem os espíritos bem-aventurados que, quando vivos, possuíram a virtude própria do respectivo planeta.
Quando a luz da aurora acariciou minha pele, algo dentro de mim mudou. Não era apenas o brilho do sol que eu sentia; era como se toda a minha existência tivesse sido puxada para cima, sugada por uma força que não podia resistir, como se eu fosse uma folha levada por um vento suave mas irresistível. A glória daquele que move todas as coisas atravessava o universo, inundando cada canto com mais ou menos intensidade, dependendo da pureza do lugar que recebia essa luz divina. E, no céu mais iluminado, o mais próximo dessa fonte infinita de poder, eu estava.
Beatrice, ao meu lado, parecia ainda mais radiante, como se sua conexão com aquela luz a fizesse parte dela. Eu observava tudo ao meu redor, e os mistérios que testemunhei eram indescritíveis. Nenhuma mente humana seria capaz de compreender ou explicar o que ali se passava. Nosso intelecto, quando se aproxima tanto de seus próprios desejos mais profundos, mergulha numa profundidade tão vasta que até mesmo a memória falha em acompanhar.
E foi ali, nesse lugar de pura luz e entendimento, que percebi que todo o conhecimento que eu poderia reter daquele reino sagrado, por menor que fosse, seria agora matéria do meu canto. Mas, para isso, precisaria de auxílio. Com o coração apertado, clamei por Apolo, o deus da poesia, pedindo-lhe que me fizesse o canal de sua força, de seu poder criativo, para que eu pudesse, com dignidade, conquistar a coroa de louros tão almejada por poetas e triunfadores. Eu sabia que até agora, apenas uma das montanhas do Parnaso havia sido suficiente para minha jornada, mas agora, precisaria de ambas as elevações, precisava me fortalecer com tudo o que o divino podia me oferecer.
"Entra em mim", implorei a Apolo, "inspira-me com a mesma força que tirou a pele de Mársias. Dá-me a graça de revelar aos outros o que estou prestes a ver, a tornar real em palavras a sombra do reino bem-aventurado que se gravou em minha mente". E, se o fizesse, eu sabia que estaria no caminho para o madeiro sagrado, onde finalmente seria digno de receber a coroa.
Em silêncio, Beatrice, como sempre, antecipava meus pensamentos. Seus olhos fixos no sol, sua postura nobre, pareciam captar algo que meus olhos não conseguiam discernir, como uma águia que, mesmo com o brilho da luz, mantém seu foco. Eu a observei atentamente, absorvendo o reflexo de sua ação, e, sem me dar conta, meus olhos também se fixaram no sol, superando os limites do que era permitido aos mortais.
Foi nesse momento que tudo ao meu redor se transformou. A luz do sol parecia se duplicar, como se outro dia tivesse nascido naquele instante. A claridade era insuportável, e senti como se meu corpo estivesse sendo envolto por uma energia que não conseguia conter. Minha mente fervia com o calor da luz, como o ferro que sai incandescente do fogo. E então, num instante de clareza absoluta, percebi que estávamos subindo.
Beatrice, percebendo minha confusão, virou-se para mim. Sua voz serena cortou o ar como uma lâmina gentil, mas firme: "Tu te enganas com tua imaginação", disse ela, "não estás mais na terra. A velocidade com que subimos não pode ser comparada nem ao mais rápido dos raios, que foge de sua origem com violência". A calma em sua voz dissipou minhas dúvidas iniciais, mas ainda havia algo que me intrigava. Como era possível que estivéssemos subindo por entre os corpos celestes sem que eu sequer percebesse? Não conseguia compreender como meu corpo, que até então conhecia o peso da gravidade, agora parecia leve, flutuando entre as estrelas.
Ela suspirou suavemente, como uma mãe que acalma um filho perturbado. Seus olhos, cheios de compreensão, encontraram os meus. "Todas as coisas no universo seguem uma ordem", explicou ela, "e é essa ordem que as torna semelhantes a Deus. Cada criatura, de acordo com sua natureza, é atraída para o seu lugar adequado, seja na Terra, seja no céu. Esse movimento é tão natural quanto o fogo que sobe ou a pedra que cai". E então, com a mesma serenidade, completou: "Não deverias te admirar com essa ascensão. O que seria surpreendente é se, estando sem obstáculos, tivesses permanecido parado, como uma chama viva presa à terra".
Suas palavras ressoaram em mim com uma verdade inquestionável. Olhei para o céu, o horizonte agora expandido, e percebi que não havia mais volta. Estávamos sendo guiados por algo muito maior do que nós mesmos, algo que nos puxava com uma força invisível, mas indomável, em direção à luz eterna.
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